O ditos “leitores sérios”, aqueles que querem
apreciar literatura mais artística, por assim dizer, costumam gostar de Clarice
Lispector – hoje parte do cânone da literatura brasileira. Clarice, Guimarães
Rosa e Machado de Assis são meus autores brasileiros favoritos (outros correm
por fora, mas isso é tema pra outro post). Estes autores fazem parte de um
clube de autores que eu chamo criadores de mundos. São artistas que inventaram
um estilo próprio de escrever, tomaram para si uma temática e sua autoria pode
ser reconhecida depois de lermos algumas linhas. É gente como Jorge Luis
Borges, Nelson Rodrigues, Kafka. Enfim, gente que virou adjetivo: kafkiano, borgeano,
rodriguiano, etc.
Clarice é colocada entre os autores do
modernismo brasileiro. Ele, o modernismo, com o qual em tenho uma rusga.
Autores ultramodernos nunca me apeteceram muito: escrita truncada, a narrativa
que não flui e deve ser decifrada são algumas características que me deixam
ressabiada com o movimento. Sempre gostei mais dos bons contadores de história
do século XIX: Jane Austen, Balzac, Emily Bronte... Mas Clarice é diferente. A
escrita tem gosto, existe um calor que sai das páginas mesmo que a história
seja cheia de tristeza e ironia.
Meu primeiro contato com Clarice aconteceu
com os rumores que eu ouvia na adolescência. Quando uma colega já no “segundo
grau” me pegava devorando livros da Agatha Christie, ela dizia: “deixa quando
você tiver que ler Clarice Lispector, os personagens dos livros dela não tem
nome (sic)”. Depois foi uma professora de português que nos falava de autores
que nunca leríamos com uma aura de mistério, como se apenas iniciados na
ciência oculta da leitura tivessem acesso. Só muitos anos depois eu finalmente
peguei a coletânea “Laços de Familía”, ah meus amigos, algo aconteceu ali. O
que era aquilo hein? Nunca me recuperei.
Meu favorito até o momento é “A Hora da
Estrela”. A sucessão de títulos possíveis da obra já no começo é sensacional:
“A culpa é minha ou a hora da estrela ou ela que se arranje ou o direito ao
grito...” “Ela que se arranje”, será que apenas eu acho graça nesse possível
título? A Hora é um livro que contém tudo que mais gosto em Clarice: intimismo
na narrativa (com um narrador em primeira pessoa, óbvio), uma personagem que é
engraçada e triste, conflito de emoções e sacadas maravilhosas sobre nosso
mundo interior. Já no comecinho: “E não esquecer que a estrutura do átomo não é
vista e sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode
dar existência ao que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar, acreditar
chorando.” É uma pancada dessa atrás da outra: fantasticamente antológico!!!
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