segunda-feira, 17 de outubro de 2011

a ditadura envergonhada - elio gaspari - companhia das letras

Como disse um professor de história da Yale University, John Merriman: "History has its histories": a história tem suas histórias. Antes de ler um livro sobre um assunto tão melindroso como a ditadura militar no Brasil, é importante fazer uma pequena pesquisa. Por mais que tentem ser objetivos, historiadores (ou neste caso jornalistas) podem ter seus parâmetros intelectuais que, de um modo ou de outro, influenciam sua opinião e consequentemente sua representação da história em um livro.

Foi o que fiz antes de iniciar a leitura deste primeiro volume dos livros sobre o governo militar escrito pelo Elio Gaspari - autor hoje mais conhecido por ser colunista de um dos "jornalões" brasileiros. Elio tem seu arquivo historiográfico pessoal, conversou longamente com alguns dos próprios presidentes militares, como Geisel, e ganhou bolsa de estudos para pesquisar o assunto no exterior. "A Ditadura Envergonhada" cobre o período desde a movimentação dos militares que depôs o presidente João Goulart até a instituição do famigerado AI-5 que jogou o Brasil em dez longos anos de torturas, censura e abusos inomináveis.

Minha "pesquisa" consistiu em ler algumas resenhas na web. O título de um dos artigos que apareceram já logo confirmava minhas suspeitas: "a historiografia envergonhada". Ou seja, alguns dos trechos do livro de Gaspari tendiam a retratar a ditatura de um modo que nem todos possam concordar. Em outro link também li que alunos de pós-graduação em alguma universidade já haviam jogado por terra alguns argumentos de Gaspari. Como gosto de acompanhar estes tipos de discussão, paguei pra ver e encarei a leitura do livro.

Meu conhecimento em política não é substancial, mas acompanho o noticiário e costumo ler a respeito com frequência. Em casa, tive um pai que foi um político fracassado. Nunca conseguiu se eleger a nenhum cargo, mas conheceu pessoalmente gente como Tancredo Neves e Itamar Franco e isso deve ter me influenciado de algum modo a me interessar pelo assunto. Dito isso, não tenho, portanto cabedal para analisar o livro em suas inconsistências ou discutir seus trechos mais polêmicos, mas posso dar minha impressão geral para quem se interessar em lê-lo.

O livro é muito bem documentado, todas as informações tem sua fonte registrada em notas de rodapé. Descreve em detalhes os primeiros movimentos dos militares para a deposição do governo para "salvar" o Brasil do comunismo. Quando do golpe, vai se descrevendo a formação da resistência, a derrota de parlamentares ligados ao militares nas primeiras eleições pós 64 e a publicação Ato Institucional 2 que liquidou as eleições diretas para presidente. Um dos melhores capítulos do livro, no entanto, é a análise do contexto cultural que o autor faz dos anos sessenta, uma década em que a juventude inquieta girava a roda em um sentido e o discurso oficial girava em outra.

O livro é até bem escrito, mas às vezes oscila: tem trechos saborosos e outros em que ficamos perdidos em tantos detalhes (o que pode ser visto como algo bom, certamente). Pesando tudo, sou obrigada a concordar com a crítica feita pelo texto da internet: Gaspari parece olhar para o período militar sem condenar os presidentes em si e sim criticar a chamada "linha dura", a ala indisciplinada dos militares e, claro, a tortura. O presidente deposto João Goulart é mostrado como um homem sem pulso, vacilante, “sem inimigos, a não ser os da política". Os parágrafos finais deste volume contam do episódio em que militares colocam em um palco presos políticos e com ajuda de slides ensinam técnicas: "a palmatória é um unstrumento com o qual se pode bater em um homem por horas a fio, com toda a força..."

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (Millennium - 1) - Companhia das Letras - 2008

Deve-se desconfiar de best-sellers. Quem leva literatura minimamente a sério também desconfia. Por alguma razão o livro que vende milhões tem que ter suas concessões, tem que ser "fácil". Quando a trilogia Millenium começou a ficar conhecida no Brasil, chamar a atenção de leitores e começou a vender, minha desconfiança teria sido a mesma não fosse o fato de o livro ter sido lançado por uma editora que, aparentemente, não faz concessões.  Acabei por adquirir o livro junto com uma outra compra na internet e o coloquei na cesta para não pagar o frete - uma humilhação para um livro.

Depois de mais de um ano na minha estante, resolvi finalmente ler o primeiro volume da série (que é composta por 3 livros). E eis que este livro, que não é lá assim tão best-seller, ensinou uma lição da qual eu havia me esquecido há tempos: como é fantástico o fascínio da leitura. Quero dizer da leitura sem compromissos, sem a necessidade de anotar nada, de simplesmente sentar na poltrona e ser levado pela história. É o que acontece com "Os homens que não Amavam as Mulheres".

Stieg Larsson - o autor, morreu assim que entregou os livros a editora, em um lance de pura fatalidade -  nos deixou a história de Lisbeth Salander, uma hacker anoréxica com típico visual cyber-punk que ajuda o jornalista Mikael Blomkvist a desvendar o sumiço da sobrinha de um grande industrial - cujo desaparecimento misterioso ocorreu há décadas. O personagem de Lisbeth, por mais estranho que seja, é assustadoramente cativante. É seguindo as pistas desta história que o livro nos leva fácil fácil. Como escreve Contardo Caligaris na contracapa do livro: "O problema com Larsson é que, se a gente se aventura e entra na história, está perdido: não tem mais como largar o livro".


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

feltrinelli: editor, aristocrata e subversivo - editora conrad - 2006

Giangiacomo Feltrinelli foi uma das figuras culturais mais importantes do século XX, filho de uma das famílias mais ricas da Itália. Os Feltrinelli, donos de um império que contava com empresas do ramo de madeiras, energia, etc viram o filho Gian se tornar na juventude, membro do partido comunista italiano. Até aqui, a biografia já conteria uma história interessante, mas Giangiacomo criou mais polêmica no ramo editorial. A editora Feltrinelli - fundada por Gian e ainda existente na Itália - foi responsável pela publicação de "Doutor Jivago", livro escrito por Boris Pasternak, proibido de ser lançado da União Soviética por não se enquadrar moldes temáticos do comunismo reinante. O caso repercutiu e rendeu à Feltrinelli essa aura mítica: o editor que começou a lançar livros proibidos em seus países de origem, principalmente  por serem censurados politicamente.

Esta biografia de Feltrinelli, escrita pelo filho do editor, detalha toda a história de publicação do romance, ou seja, "o romance do romance" e a crônica de outras publicações como os livros do escritor americano Henry Miller. Uma história interessantíssima, mesmo que contada às vezes sem muito didatismo pelo autor, que poderia situar melhor o leitor no contexto histórico da época. É preciso portanto já ir para a leitura com certo conhecimento prévio. Mas quem conhece a figura Feltrinelli provavelmente já deve estar ciente de sua importância e não se arrependerá de conhecer os detalhes de sua fascinante história. Antológico!

Três livros e muita história: Llosa, John Boyne e Chimamanda Adichie

Dois assuntos favoritíssimos da vida: literatura e história. O primeiro eu estudei formalmente na facul, apesar de ter lacunas muitos sér...